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Casa Vogue Brasil entra na Casa de Barnaba Fornasetti, filho do pintor, escultor, gravador e decorador italiano Piero Fornasetti (1913-1988)

E claro que nós não poderíamos deixar de publicar a reportagem de ENRICO DECCA | PRODUÇÃO PAOLA MORETTI | FOTOS ANDRE

Salas secretas escondem-se à sombra de um velho jardim com perfume de glicínias. Na casa pintada de vermelho veneziano, repleta de móveis e objetos, no bairro universitário de Città Studi, em Milão, respira-se uma energia alquímica, densa de visões surreais, peças inesquecíveis que souberam transformar em obras de arte os objetos cotidianos mais comuns. “É uma casa que devora”, diz Barnaba Fornasetti, filho do pintor, escultor, gravador e decorador italiano Piero Fornasetti (1913-1988). “Mas estou tão habituado a ela que não poderia viver de maneira diferente.”

Barnaba é um figura principesca no mundo competitivo do design, um senhor elegante, mas com ironia, de voz suave e olhar magnético – que se pode associar àqueles olhos infinitos, desenhados por seu pai, inspirados na cantora lírica Lina Cavalieri, reproduzidos em cerâmica, madeira, vidro, pedra, tecidos e móveis. “A colaboração com meu pai começou aos quatro anos”, relembra ele. “Foi quando colhi no jardim uma folha de hortênsia com uma pequena flor e lhe entreguei para que a reproduzisse em uma bandeja”, diz. Aos 20 anos, ele tomou distância daquele universo infinito de sinais que o genial, mas difícil pai, Piero Fornasetti havia construído.

Personagem excêntrico, Piero criou mais de 11 mil desenhos e projetos, esboços e estampas, decorações de ambientes e equipamentos, de bandeja a móveis – entre neoclassicismo, surrealismo e metafísica, entre elegância e senso de humor, imune às tendências passageiras, culto e ágil, rigoroso, mas extremamente fantasioso.

Faltava-lhe o tino comercial. No início dos anos 1980, ele passou a ter dificuldades financeiras. Foi então que se deu a reaproximação do filho. Barnaba voltou para Milão, a pedido do pai. Os dois trabalharam juntos até 1988, quando Piero Fornasetti morreu.

Barnaba criou depois sua empresa paralela e passou, como ele mesmo diz, a “lutar com chacais e oficiais de justiça durante, pelo menos, uma dezena de anos, para salvar aquilo que meu pai havia construído”. E continua, com sua conhecida voz pacata: “Agora, finalmente, estou sozinho, com duas dezenas de colaboradores restritos. Sou pequeno, não sou rico, mas tudo funciona”.

Acessórios exclusivos, numerados, limitados e realizados completamente à mão, hoje sob a direção do filho, alcançam valores vertiginosos nos leilões internacionais. Além de continuar com a reedição dos móveis criados por Piero entre os anos 1950 e o início dos 1980, Barnaba Fornasettiencontra, no ateliê do pai, um precioso arquivo para novas inspirações – como se observa na série Litomatrice, realizada com lâminas de zinco para impressão litográfica, utilizadas por Piero na década de 1950, que agora cunham móveis e peças únicas, cobertas de lâminas litográficas.

Foram recentemente apresentados no Salão Internacional do Móvel e na galeria Nilufar, em Milão, além da design week de Nova York, pela Barneys. Sem esquecer a nova coleção de móveis Armistizio, inspirada nas gravuras renascentistas de armaduras ou por antigas ilustrações de armas de fogo, retomadas, atualizadas, recontextualizadas por Barnaba, que imaginou e realizou brilhantes associações carregadas de ironia e senso de humor, fantásticas e coloridíssimas ligações entre o antigo e o contemporâneo.

Alguém já definiu Piero Fornasetti – que fez parcerias históricas, caso daquela com o arquiteto Gio Ponti nos anos 1950 – como um “artista do Renascimento”. Mas como poderíamos definir Barnaba? “Um artista pós-renascimento...”, diz ele.  “Mas, assim como meu pai, não gosto de definições, inclusive quero citá-lo quando escrevia: ‘Não acredito nas épocas nem nas datas’. Eu me recuso a estabelecer o valor de uma coisa com base na data. Não tenho limites”, afirma.

A quem lhe pergunta como é reinventar a imagem paterna, o filho responde: “Para mim, é uma coisa natural. Eu me sinto bem neste mundo. Gostaria de propor a decoração como um modo de viver, para acrescentar alegria a uma vida cheia de purismo expiatório”.

Por isso, Fornasetti é uma espécie de palavra de ordem nos endereços mais sofisticados do mundo: L’Eclaireur, em Paris; Barneys, em Nova York; Selfridges, em Londres; e Neiman Marcus, nos Estados Unidos. Na realidade, sempre foi assim, mas, nos anos 1950, era para poucos iluminados.

Agora é atualidade. Barnaba sabe disso: “Não tenho a obsessão da modernidade. Por meio daquilo que faço, procuro também comunicar que, afinal, nada de novo se cria”. Segundo ele, seu pai lhe transmitiu uma grande lição. “Fornasetti parece ser contemporâneo, mas não é a brand atual”, comenta.

“A marca é sempre mais ou menos a mesma, por isso procuro levá-la à frente com novos significados, novas evoluções e invenções. Há uma correspondência com o tempo. Agora, está na moda a reciclagem, e é interessante porque meu pai foi um precursor. Ao reciclar e mixar iconografia, arte, imagens históricas e contemporâneas, soube fazer suas próprias impressões.

Mesmo sendo um artista incrível, sempre usou imagens de outros, criando um nome reconhecível mais pelo visual do que por sua assinatura”, conclui. A identidade do estilo é, portanto, mais forte que a do nome. Seja do pai, seja do filho.